O cosmologista americano Lawrence Krauss Krauss, de
57 anos, é mundialmente conhecido por seu trabalho teórico, por livros como A
física de Jornada nas Estrelas e por seus programas no Discovery Channel. Em
seu novo livro, A universe from nothing (Um universo a partir do nada, ainda
inédito no Brasil), ele parte das leis da física para dizer que os mistérios em
torno da origem do Universo são uma mistificação. Nesta entrevista, ele diz que
a ciência finalmente é capaz de explicar como o Universo surgiu. “Os religiosos
afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual”, afirma.
Quando questionado se a crença em Deus tornou-se
obsoleta com o avanço da ciência, o cientista respondeu,”O avanço da física, da
química e da biologia nos fez desvendar o funcionamento da matéria e dos
fenômenos biológicos. Ao mesmo tempo, esse avanço foi reduzindo o alcance do
termo milagre até deixá-lo restrito ao que teria existido antes do big bang, a
explosão primordial que criou o Universo há 13,7 bilhões de anos. Agora, o
milagre divino perdeu esse último bastião. A cosmologia do século XX chegou ao
ponto em que podemos falar sobre a criação e a evolução de todo o Universo, um
tema que não é mais do domínio exclusivo da teologia.”.
Krauss foi rígido ao criticar os que acreditam em
Deus, “Os religiosos que afirmam que conhecem as verdades fundamentais… É
inacreditável. Eles afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça
intelectual. A ciência lida muito bem com a existência de mistérios à espera de
ser revelados. Sempre haverá perguntas sem respostas e mistérios a descobrir.
Os milagres se tornaram obsoletos.”.
Comentando sobre seu livro, o cientista levanta a
hipótese do Universo ter surgido a partir do nada e que há a possibilidade de
haver mais universos existentes, o que ele chamou de “multiuniverso”, e sobre
as condições futuras do universo citou ironicamente, “Prefiro viver hum
universo onde a vida é breve e preciosa a noutro onde o sentido da vida nos é
ditado por um Saddam Hussein dos céus!”
Traçando um paralelo entre a ciência e a religião,
o físico argumentou, “Ninguém precisa ser um especialista em cosmologia para
apreciar o panorama do surgimento e da evolução do Universo, da mesma forma
como não é preciso ser músico para apreciar a música de Bach (que, aliás, era
muito complexa!). Sim, as versões da ciência são mais complicadas que as da
religião, mas também são muito mais interessantes. O Universo tem uma
imaginação muito maior que a nossa e seus fenômenos que observamos, como a
explosão de supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais
fascinantes do que os contos de fadas criados por gente que viveu há milhares
de anos, muito antes de descobrirmos que a Terra órbita o Sol e que não estamos
no centro do Universo.”.
Ao final da entrevista, Lawrence Kraus disse não se
considerar um ateu, mas um antiteísta, “Não posso provar sem sombra de dúvidas
que Deus não existe, mas posso afirmar que preferiria muito mais viver num
universo em que ele não exista.”, e ao ser questionado se Deus se tornou
irrelevante para a sociedade, respondeu, “Porque eu penso que Deus é uma invenção
da humanidade, minha resposta é não. Se existisse um Deus, ele certamente teria
deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos logo depois de criá-lo, há
13,7 bilhões de anos, pois tudo o que aconteceu desde então pode ser explicado
pela ciência. Não, Deus talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.”.
ÉPOCA – O que aprendemos sobre a origem do
Universo, graças ao avanço da ciência, tornou obsoleta a crença em Deus?
LAWRENCE KRAUSS – Até o século XVI, a religião
detinha o monopólio da explicação dos mistérios da criação. A responsabilidade
pela criação de tudo era divina, e ai de quem duvidasse! Aquele monopólio da fé
começou a ser solapado a partir da obra de Copérnico (Nicolau Copérnico,
astrônomo polonês do século XV) e a de Galileu (Galileu Galilei, astrônomo
italiano do século XVI), que substituíram o milagre metafísico pela realidade
física. Quando, há 300 anos, Newton (Isaac Newton, físico e matemático inglês
do século XVII) explicou que o movimento dos planetas podia ser compreendido por
meio de leis físicas bem simples que não requeriam a intromissão dos anjos,
tudo mudou. O avanço da física, da química e da biologia nos fez desvendar o
funcionamento da matéria e dos fenômenos biológicos. Ao mesmo tempo, esse
avanço foi reduzindo o alcance do termo milagre até deixá-lo restrito ao que
teria existido antes do big bang, a explosão primordial que criou o Universo há
13,7 bilhões de anos. Agora, o milagre divino perdeu esse último bastião. A
cosmologia do século XX chegou ao ponto em que podemos falar sobre a criação e
a evolução de todo o Universo, um tema que não é mais do domínio exclusivo da
teologia.
ÉPOCA – Os religiosos sempre disseram que há
algumas questões fundamentais para as quais nenhuma teoria científica jamais
encontrou respostas. Ainda não é o caso?
KRAUSS – Não é nem nunca foi o caso. A religião
alegava ter as respostas para as perguntas mais básicas do Universo e da vida
antes mesmo de essas perguntas terem sido feitas. A religião também afirma que
suas respostas são verdades inquestionáveis. Ora, nós, cientistas, somos
movidos pela dúvida. O que move nossa curiosidade é a busca de respostas para
os mistérios da natureza. Sabemos que não temos todas as respostas e que as
respostas que temos não são verdades definitivas. Que questões ficariam sem
resposta? Só o tempo e o esforço concentrado de pesquisa dirão. Por isso, não
podemos nos deixar satisfazer com as respostas científicas já reveladas nem
descansar sobre os louros conquistados, relegando a busca de novas respostas que
tenham o poder de revelar uma visão mais profunda da natureza.
ÉPOCA – Os religiosos afirmam que a humanidade
jamais descobrirá as verdades mais fundamentais, como a origem do Universo e
como surgiu a vida.
KRAUSS – Jamais saberemos se essas são de fato
verdades inatingíveis se não tentarmos elucidá-las. Os religiosos afirmam que
conhecem as verdades fundamentais... É inacreditável. Eles afirmam saber que
Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual. A ciência lida muito bem
com a existência de mistérios à espera de ser revelados. Sempre haverá
perguntas sem resposta e mistérios a descobrir. Os milagres se tornaram
obsoletos.
ÉPOCA – A ciência ensina que o Universo começou com
o big bang e que antes dele não havia nada.
KRAUSS – A ciência nos ensina que houve um big
bang, mas não diz o que havia antes. Em meu livro, explico por que, com base
nos conhecimentos de ponta atuais, é plausível imaginar a hipótese de que o
Universo tenha surgido a partir do nada. E, a partir do nada, o Universo teria evoluído
por meio de processos naturais que levaram à formação de átomos, moléculas,
estrelas, planetas, galáxias e vida.
ÉPOCA – Como o Universo surgiu do nada?
KRAUSS – Nosso Universo tem todas as
características de um universo criado a partir do nada. Uma das descobertas
mais notáveis da física moderna é que o vácuo espacial não é vazio. O vácuo
pode ser inteiramente vazio de matéria, mas não de energia. Se pudéssemos
observar o vácuo em dimensões infinitamente pequenas e lapsos de tempo
infinitamente curtos, muito menores e mais curtos do que a tecnologia atual é
capaz de fazer, veríamos que o vácuo é tudo, menos estático, e que nele
partículas pipocam a partir do nada e desaparecem instantaneamente. Em
determinadas condições, entretanto, essas partículas virtuais não precisariam
necessariamente desaparecer. Elas poderiam não só continuar existindo, como se
multiplicar, dando origem a um big bang e a um novo universo em expansão. A
evidência de que isso pode ter sido realmente o caso da origem de nosso Universo
é um feito notável.
ÉPOCA – Aconteceu apenas uma vez? O pipocar de
partículas não poderia ter criado outros universos?
KRAUSS – Sim, tudo leva a crer que é o caso, embora
não tenhamos como provar. Podemos viver num “multiverso”. Nosso Universo pode
ser apenas um entre infinitos outros de um “multiverso que é eterno e
infinito”. Prefiro viver num universo onde a vida é breve e preciosa
a noutro onde o sentido da vida nos é ditado por um Saddam Hussein dos
céus!
ÉPOCA – Os religiosos afirmam que Deus é anterior
ao Universo e existiria antes do big bang.
KRAUSS – O principal problema dessa noção da
criação é que ela requer a existência de alguma coisa que anteceda o Universo,
de modo a poder criá-lo. É aí que quase sempre entra a noção de Deus, alguma
entidade que existiria em separado do espaço, do tempo e da realidade física.
Para mim, Deus não passa de uma solução semântica fácil para uma questão tão
profunda como a criação. Os religiosos nunca tocam na questão da criação de
Deus, pois essa é ainda mais confusa do que a solução religiosa que deram para
a criação do Universo. Para os religiosos, Deus simplesmente existe, não
importando quantas e quão fortes sejam as evidências que a ciência fornece para
indicar a extrema improbabilidade de tal coisa ser verdade.
ÉPOCA – O Universo se expandirá para sempre? Num
futuro remoto, as galáxias desaparecerão, as estrelas evaporarão e o cosmos
voltará ao nada? Saber disso não torna a vida sem sentido?
KRAUSS – A vida não precisa ter nenhum sentido, a
não ser aquele que damos a ela. Por que ficarmos deprimidos? Para mim, essa é
uma imagem revigorante. Justamente porque a vida é efêmera, todos nós
deveríamos tirar o máximo proveito do breve momento que desfrutamos sob o sol.
Deveríamos aproveitar ao máximo o fato de evoluirmos com uma consciência que
nos possibilita apreciar a beleza do cosmos, ao mesmo tempo que buscamos
melhorar a vida na Terra. Prefiro viver num universo onde a vida é breve e
preciosa a noutro onde o sentido da vida nos é ditado por um Saddam Hussein dos
céus!
ÉPOCA – O senhor diz que vivemos num momento
especial da história do Universo. Como assim?
KRAUSS – O Universo tem 13,7 bilhões de anos. Ele é
muito antigo. Quando olhamos o infinito futuro a nossa frente, o Universo ainda
é muito jovem. Todas as evidências de que um dia há 13,7 bilhões de anos
aconteceu um big bang ainda podem ser vistas por meio de nossos observatórios
astronômicos. É o que acontece quando os astrônomos verificam que todas as
galáxias estão se afastando cada vez mais rápido umas das outras. Num futuro
distante, as galáxias estarão tão longe de nossa Via Láctea que não poderão
mais ser observadas. Elas desaparecerão no breu cósmico. Para todos os efeitos,
será como se jamais tivessem existido. Uma civilização que viva num planeta da
Via Láctea naquele futuro jamais saberá como o Universo surgiu.
ÉPOCA – Para entender e aceitar a origem do
Universo como descrita pela ciência, é preciso ter bom nível cultural e
intelectual, pois não se trata de conceitos simples. A religião lida com
conceitos que podem ser apreendidos por qualquer criança.
KRAUSS – Ninguém precisa ser um especialista em
cosmologia para apreciar o panorama do surgimento e da evolução do Universo, da
mesma forma como não é preciso ser músico para apreciar a música de Bach (que,
aliás, era muito complexa!). Sim, as versões da ciência são mais complicadas
que as da religião, mas também são muito mais interessantes. O Universo tem uma
imaginação muito maior que a nossa e seus fenômenos que observamos, como a explosão
de supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais fascinantes do que
os contos de fadas criados por gente que viveu há milhares de anos, muito antes
de descobrirmos que a Terra órbita o Sol e que não estamos no centro do
Universo.
ÉPOCA – Nos últimos anos, muitos cientistas e
intelectuais começaram a defender a bandeira do ateísmo. É o caso de dois
célebres ingleses, o biólogo Richard Dawkins e o físico Stephen Hawking. O
senhor pertence a esse movimento?
KRAUSS – Acho que sim. As pessoas com frequência me
colocam ao lado de Dawkins e Hawking, o que me enche de orgulho. Mas prefiro
pensar em mim não como um ateu, e sim como um antiteísta. Não posso provar sem
sombra de dúvidas que Deus não existe, mas posso afirmar que preferiria muito mais
viver num universo em que ele não exista.
ÉPOCA – Deus se tornou irrelevante para a
humanidade?
KRAUSS – Porque eu penso que Deus é uma invenção da
humanidade, minha resposta é não. Se existisse um Deus, ele certamente teria
deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos logo depois de criá-lo, há
13,7 bilhões de anos, pois tudo o que aconteceu desde então pode ser explicado
pela ciência. Não, Deus talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.
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