6 de junho de 2011

Tudo passa

A chuva que vai caindo,
a mãe ao filho assistindo,
o sol esplendoroso no céu,
o mendigo vagando ao léu.

Passam as enxurradas,
as pestes e as namoradas,
passam as dinastias,
os impérios e as tiranias.

Não importa o divertimento,
o riso e o contentamento,
não importa o ressentimento,
a dor e o entristecimento.

Não importa se foi ateu,
muçulmano ou judeu,
não importa se foi erudito,
ignorante ou maldito.

Não importa o acreditar,
sem ter como confirmar,
não importa o duvidar,
sem saber aonde chegar.

Não importa o que foi dito,
muitas preces e vários ritos,
não importa o livre-arbítrio,
muitas crenças e vários mitos.

Tudo passa,
só não passa o que aqui ficou,
a verdade que professou,
a bondade que derramou,
a saudade que aqui deixou.

Religião encolhe o cérebro

A pesquisa intitulada “Religious factors and hippocampal atrophy in late life” [Fatores religiosos e a atrofia do hipocampo na terceira idade], feita pelo Centro Médico da Universidade Duke (EUA) pode representar um importante avanço na compreensão da relação entre o cérebro e a religião. O estudo, publicado em março revela que pessoas que se identificam com determinados grupos religiosos apresentaram uma maior atrofia do hipocampo, algo comum em doenças como Alzheimer.

É um resultado surpreendente, considerando que muitos estudos anteriores mostraram que a religião tem efeitos benéficos sobre a função cerebral, em especial no que se relaciona com a ansiedade e a depressão. Muitos estudos sérios já avaliaram os efeitos de práticas religiosas como a meditação e a oração no cérebro humano.

Um número menor de estudos avaliou os efeitos da religião no cérebro a longo prazo. Esse tipo de está centrado nas diferenças do volume do cérebro ou da função cerebral nas pessoas fortemente envolvidas em práticas espirituais comparadas às que se definem como não religiosas. E um número ainda menor de estudos tem explora os efeitos das práticas de meditação ou outra atividade espiritual, avaliando indivíduos em dois momentos diferentes.

No estudo da Duke, publicado por Amy Owen, foi usada a ressonância magnética para medir o volume do hipocampo, parte do cérebro que está relacionado com a emoção e a formação da memória. Foram examinados 268 homens e mulheres, entre 58 e 84 anos. A ideia original era medir os resultados neurocognitivos da depressão em idosos, mas que também estava ligado às suas crenças religiosas. O estudo publicado pela professora Owen é o único que foca especificamente as pessoas religiosas em comparação com indivíduos não-religiosos. No artigo, mostra que existe uma diferença na estrutura cerebral das pessoas que se consideram cristãos “nascidos de novo” ou que tiveram alguma mudança de vida por causa da religião. Os resultados mostraram uma atrofia (encolhimento) significativamente maior entre os protestantes nascidos de novo e os católicos, em comparação com os protestantes nominais, que não se consideram “nascidos de novo”.

A hipótese levantada pelos estudiosos é que essa atrofia maior do hipocampo em determinados grupos religiosos podem estar relacionados com o estresse. Eles argumentam que alguns indivíduos da minoria religiosa, ou aqueles que lutam com suas crenças, registram níveis mais elevados de estresse. Isto provocaria uma liberação de hormônios ligados ao estresse que são conhecidos por diminuir o volume do hipocampo ao longo do tempo. Isto também poderia explicar porque os não-religiosos e algumas pessoas religiosas têm um hipocampo menor.

Existem estudos que mostram os efeitos negativos da religião e da espiritualidade na saúde mental. Há evidências que membros de grupos religiosos que são perseguidos ou que são minoria experimentam um maior estresse e uma ansiedade acentuada. Em alguns casos, uma pessoa pode entender que Deus a está punindo e, portanto, ter um aumento significativo de estresse causado por sua “luta religiosa”. Outros passam por conflitos internos por causa de idéias que contrariam sua tradição religiosa ou a de sua família. Um mudança radical no estilo de vida pode ser difícil para alguém incorporar ao seu sistema de crença religiosa vigente o que também pode gerar estresse e ansiedade. As transgressões religiosas (pecados) reconhecidamente podem causar angústia psicológica e emocional. Esta dor “religiosa” e “espiritual” pode ​​ser tão real quanto a dor física. E todos estes fenômenos podem ter efeitos potencialmente negativos sobre o cérebro.

Assim, Owen e seus colegas apresentam uma hipótese plausível, emb0ra reconheçam as limitações do seu estudo, como o tamanho pequeno da amostragem. Mais importante ainda, não conseguem determinar até onde os fatores que levam alguém a ter uma mudança de vida são importantes e não apenas a experiência em si. É possível também que as pessoas mais religiosas sofram de um estresse inerente, mas que sua religião as ajuda a se proteger.

Os autores do estudo advertem que não ainda há conhecimento suficiente e detalhado sobre a mecânica de como o estresse afeta a atrofia do cérebro. A religião é frequentemente citada como um mecanismo de enfrentamento importante para lidar com o estresse. Este novo estudo é intrigante e importante para esse campo de estudo, chamado neuroteologia, e pode colaborar para uma compreensão mais ampla de como a religião (ou a espiritualidade) gera mudanças no cérebro.

A doença chamada homen

Esta frase é de F. Nietzsche e quer dizer: o ser humano é um ser paradoxal, são e doente: nele vivem o santo e o assassino. Bioantropólogos, cosmólogos e outros afirmam: o ser humano é, ao mesmo tempo, sapiente e demente, anjo e demônio, dia-bólico e sim-bólico. Freud dirá que nele vigoram dois instintos básicos: um de vida que ama e enriquece a vida e outro de morte que busca a destruição e deseja matar. Importa enfatizar: nele coexistem simultaneamente as duas forças. Por isso, nossa existência não é simples mas complexa e dramática. Ora predomina a vontade de viver e então tudo irradia e cresce. Noutro momento, ganha a partida a vontade de matar e então irrompem crimes como aquele que ocorreu recentemente no Rio.

Podemos superar esta dilaceração no humano? Foi a pergunta que A. Einstein colocou numa carta de 30 de julho de 1932 a S. Freud: ”Existe a possibilidade de dirigir a evolução psíquica a ponto de tornar os seres humanos mais capazes de resistir à psicose do ódio e da destruição”? Freud respondeu realisticamente: ”Não existe a esperança de suprimir de modo direto a agressividade humana. O que podemos é percorrer vias indiretas, reforçando o princípio de vida (Eros) contra o princípio de morte (Thanatos). E termina com uma frase resignada: ”esfaimados pensamos no moinho que tão lentamente mói que poderemos morrer de fome antes de receber a farinha”. Será este o destino da espernaça?

Por que escrevo isso tudo? É em razão do tresloucado que no dia 5 abril numa escola de um bairro do Rio de Janeiro matou à bala 12 inocentes estudantes entre 13-15 anos e deixou 12 feridos. Já se fizeram um sem número de análises, foram sugeridas inúmeras medidas como a da restrição à venda de armas, de montar esquemas de segurança policial em cada escola e outras. Tudo isso tem seu sentido. Mas não se vai ao fundo da questão. A dimensão assassina, sejamos concretos e humildes, habita em cada um de nós. Temos instintos de agredir e de matar. É da condição humana, pouco importam as interpretações que lhe dermos. A sublimação e a negação desta anti-realidade não nos ajuda. Importa assumi-la e buscar formas de mantê-la sob controle e impedir que inunde a consciência, recalque o instinto de vida e assuma as rédeas da situação. Freud bem sugeria: tudo o que faz surgir laços emotivos entre os seres humanos, tudo o que civiliza, toda a educação, toda arte e toda competição pelo melhor, trabalha contra a agressão e a morte.

O crime perpretado na escola é horripilante. Nós cristãos conhecemos a matança dos inocentes ordenada por Herodes. De medo que Jesus, recém-nascido, mais tarde iria lhe arrebatar o poder, mandou matar todas as crianças nas redondezas de Belém. E os textos sagrados trazem expressões das mais comovedoras: ”Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: é Raquel que chora os filhos e não quer ser consolada porque os perdeu”(Mt 2,18). Algo parecido ocorreu com os familiares.

Esse fato criminoso não está isolado de nossa sociedade. Esta não tem violência. Pior. Está montada sobre estruturas permanentes de violênca. Aqui mais valem os privilégios que os direitos. Marcio Pochmann em seu Atlas Social do Brasil nos traz dados estarrecedores: 1% da população (cerca de 5 mil famílias) controlam 48% do PIB e 1% dos grandes proprietários detém 46% de todas as terras. Pode-se construir uma sociedade sem violência com estas relações injustas? Estes são aqueles que abominam falar de reforma agrária e de modificações no Código Florestal. Mais valem seus privilégios que os direitos da vida.

O fato é que em pessoas pertubadas psicologicamente, a dimensão de morte, por mil razões subjacentes, pode aflorar e dominar a personalidade. Não perde a razão. Usa-a a serviço de uma emoção distorcida. O fato mais trágico, estudado minuciosamente por Erich Fromm (Anatomia da destrutividade humana, 1975) foi o de Adolf Hittler. Desde jovem foi tomado pelo instinto de morte. No final da guerra, ao constatar a derrota, pede ao povo que destrua tudo, envene as águas, queime os solos, liquide os animais, derrube os monumentos, se mate como raça e destrua o mundo. Efetivamente ele se matou e todo os seus seguidores próximos. Era o império do princípio de morte.

Cabe a Deus julgar a subjetividade do assassino da escola de estudantes. A nós cabe condenar o que é objetivo, o crime de gravíssima perversidade e saber localizá-lo no âmbito da condição humana. E usar todas as estratégias positivas para enfrentar o Trabalho do Negativo e compeender os mecanismos que nos podem subjugar. Não conheço outra estratégia melhor do que buscar uma sociedade justa, na qual o direito, o respeito, a cooperação e a educacção e saúde para todos sejam garantidos. E o método nos foi apontado por Francisco de Assis em sua famosa oração: levar amor onde reinar o ódio, o perdão onde houver ofensa, a esperança onde grassar o desespero e a luz onde dominar as trevas. A vida cura a vida e o amor supera em nós o ódio que mata.

por Leonardo Boff