15 de setembro de 2010

Cassino abandonado

Apesar de termos um Superporto, um Pólo Naval, um Dique Seco, um dos maiores PIBs, Orçamentos e ICMS, a atenção à população rio-grandina continua precáriaUma desatenção enorme é dada aos bairros e vilas da cidade, que com suas ruas esburacadas ou com pavimentação insuportável, quando chove, viram um verdadeiro lodaçal.
O Cassino, lembrado e enaltecido no verão, convive ininterruptamente com esse caos. Atualmente, até a Avenida Rio Grande está esburacada e abandonada. Cheia de crateras e esgotos a céu aberto. Recentemente um Vereador desafiou as Autoridades Municipais a transitarem por meia hora nas ruas esburacadas do Cassino, com uma velocidade constante de 30 a 40 Km/hora, e chegarem ao destino com o automóvel inteiro. É um absurdo, porque não calçam mais umas 10 (dez) ruas (de ponta a ponta), em ambas as direções?
Mesmo com toda essa riqueza existente no município, as benfeitorias efetuadas são sempre acanhadas e singelas para o nosso potencial. São sempre soluções paliativas, na base do “quebra galho”. Tinha um Administrador no Cassino que fazia alguma coisa, ou pelo menos era interessado. O erro da população foi elegê-lo Vereador, pensando que resultaria em melhorias para o Cassino. 
O Balneário do Cassino precisa urgentemente de um administrador. De um Prefeito visionário, que “pense grande”. Que deixe um legado de transformações às futuras gerações. Com ruas calçadas e transitáveis, com obras urbanas (passarelas, túneis, pontes e viadutos), com mais saneamento, mais empregos, mais moradias, melhores escolas, mais hospitais, mais postos de saúde nos bairros (com médicos) e mais inclusão social. 

JC Coutinho

O mistério da consciência

Esteve em Porto Alegre, participando do Fronteiras do Pensamento, o cientista social e economista, Eduardo Giannetti, um dos economistas mais respeitados do Brasil. Seu tema, A Ilusão da Alma: A Dualidade entre Mente e Cérebro, ou, mais especificamente, a nossa consciência - seria ela controlada pela nossa mente ou pelo cérebro, à revelia de nossas próprias vontades?
Na entrevista concedida por telefone de São Paulo à RBS, antes do evento, Giannetti explica essas teorias e aponta que os avanços científicos na área só vêm a comprovar o quanto o homem sabe pouco sobre sua própria condição.
Agência RBS: Seu livro é uma ficção que fala sobre a dualidade entre mente e cérebro. A conferência desta segunda-feira vai aprofundar esse tema?
Eduardo Giannetti: Sim. Vou falar sobre as duas correntes filosóficas que definem essa dualidade. A primeira, o mentalismo, está afinada com a nossa psicologia intuitiva, com as crenças espontâneas que nós temos sobre como se dá essa relação. Sua idéia básica é de que a mente governa nossos pensamentos e nossas ações. Já a segunda, que vem se tornando cada vez mais plausível à medida que avançam os estudos no campo da neurociência, é o fisicalismo. Segundo ele, é o cérebro que domina completamente as nossas ações e os nossos sentimentos e que, por isso, nossas sensações de identidade e liberdade provavelmente são enganosas. No livro, o meu protagonista começa a estudar o assunto após ter um tumor cerebral. Quer dizer, ele entra num tema que preferiria não ter entrado. É convencido a entrar pela lógica e pelas evidências empíricas.
Agência RBS: O avanço da ciência comprova que o fisicalismo está certo, e o mentalismo, errado?
Giannetti: Esse assunto foi debatido durante 2,5 mil anos por filósofos e teólogos sem que houvesse qualquer tipo de base experimental ou de evidência empírica. De 20 ou 30 anos para cá, com o avanço da neurociência e de áreas afins, é que começam a surgir os primeiros resultados práticos sobre esse assunto. À luz desses resultados, o fisicalismo – que era defendido na Grécia por Demócrito; no Iluminismo, por La Mettrie; no século 19, por Thomas Huxley; no século 20, por uma série de cientistas – vem ganhando muito terreno. Vai se firmando, ao que parece, como “a verdade” no que diz respeito à relação entre cérebro e mente.
Agência RBS: O que, em síntese, constitui essa verdade?
Giannetti: A conclusão básica que tiro do estudo desse assunto é que nós, humanos, podemos estar radicalmente enganados sobre o tipo de ser que acreditamos ser. Assim como vemos com clareza que o homem pré-científico estava enganado sobre a natureza externa – o relâmpago, o arco-íris, as estrelas –, pode ser que estejamos igualmente enganados sobre a nossa natureza interna. Nosso desconhecimento sobre o bicho homem, digamos assim, ainda é muito profundo. As descobertas recentes vêm demonstrando a extensão do provável equívoco geral sobre quem somos e sobre o que nos faz agir como agimos. Nosso grau de desconhecimento sobre nós mesmos é absurdo. É comparável ao que achávamos ser o universo antes da descoberta de que a Terra não é quadrada. Deveríamos ter mais humildade ao falar sobre nós mesmos.
Agência RBS: Por que, ao escrever sobre esse tema, o senhor escolheu fazer ficção, algo que nunca havia feito, e não um ensaio?
Giannetti: Acho o tema fascinante. Para mim, é a grande fronteira do mundo científico. É nesse campo que me parece residir o grande enigma da condição humana no mundo natural. A opção pelo romance é porque, mais do que considerar verdades e falsidades sobre essas teorias, eu estava interessado em mostrar o que acontece com alguém que por algum motivo passa a acreditar nessa hipótese espantosa que é o fisicalismo.

Fronteiras do Pensamento - ZH 11/09/2010

1 de setembro de 2010

Por que alguns acham que dá para voltar da morte?

Não há motivo para imaginar que seja possível ver o outro lado e retornar. Seriam essas experiências só um defeito no cérebro?
por Texto Salvador Nogueira

Em situações potencialmente fatais, não são poucas as pessoas que, ao sobreviver, relatam experiências aparentemente sobrenaturais durante os momentos em que caminharam na tênue fronteira entre a vida e a morte. Em muitos casos, percebem-se saindo fora do próprio corpo e, em algumas situações, dizem inclusive ter visto uma luz forte, chamando-as para si.
O que é isso? Não há dúvida de que esses fenômenos acontecem, mas explicá-los é sempre mais difícil. Durante muito tempo, essas experiências foram interpretadas como evidência incontestável de que existe uma “vida após a morte”. Isso encorajou cientistas a buscar sinais concretos da presença de uma alma que habita o corpo enquanto ele está vivo.
Nenhum desses experimentos obteve resultados conclusivos. Em compensação, os pesquisadores que apostaram no fato de que as pessoas que experimentaram essas sensações de quase-morte foram enganadas pelo seu próprio cérebro têm colhido excelentes resultados.
Hoje, é possível até mesmo afirmar qual a região do cérebro que se responsabiliza por essa sensação. A chamada junção temporo-parietal é a área do córtex cerebral que está ligada à sensação do “eu” – na prática, ela ajuda a pessoa a se localizar no espaço, perceber onde estão as fronteiras de seu corpo e onde ela está se colocando no momento.
PAU NA MÁQUINA: Só que esse sistema às vezes pode dar pau. É o caso de um dos pacientes de Peter Brugger, que trabalha no Hospital da Universidade de Zurique, na Suíça. Vítima de epilepsia, ele experimentava regularmente a sensação de estar fora do corpo, e isso acontecia justamente na ativação de sua junção temporo-parietal, medida por ressonância magnética.
Esse mesmo sistema cerebral, quando dá defeito, pode produzir outros fenômenos aparentemente sobrenaturais, como a sensação de que existem almas penadas no ambiente, estranhamente presas à pessoa que consegue vê-las ou senti-las (são os chamados doppelgängers).
Foi o que o grupo de Olaf Blanke, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, também na Suíça, percebeu. Blanke estudou uma moça de 22 anos que também sofria de epilepsia. Ao ser estimulada eletricamente em sua junção temporo-parietal, a jovem passou a sentir a existência de “alguém” postado exatamente atrás dela. E, quanto maior o estímulo elétrico, maior a riqueza de detalhes com que a moça “percebia” seu doppelgänger, bem como a aflição ligada a isso.
Aparentemente, essas mesmas ilusões são disparadas numa situação de quase-morte – produzindo desde a sensação de sair do corpo até a presença de “fantasmas” (muitas vezes na forma de entes queridos), interpretados normalmente como pessoas que estão ali para facilitar a transição para o tal “outro lado”.
Se não é muito charmosa do ponto de vista religioso, essa explicação ajuda a mostrar como nosso cérebro ainda é um mistério em aberto, capaz de nos enganar com grande vivacidade de detalhes. E não dá por encerrada a questão. Afinal, saber que o cérebro é capaz de produzir essas ilusões não exclui a possibilidade de que exista algo além. “Eu de fato acredito que as experiência ligadas à ‘alma’ devam ser vistas como simples produtos do nosso cérebro”, diz Brugger. “Mas a verdade é que estamos bem longe de ter explicado todas as coisas.”
Junção Temporo-parietal: É a área do córtex cerebral que parece estar ligada à sensação do “eu”, tal como a percepção das fronteiras do próprio corpo.
Oito milhões de americanos relataram ter passado por uma experiência de quase-morte em algum momento de sua vida.
Virando gasparzinho: Quatro fenômenos comuns nas experiências de quase-morte
Quentinho: Como se estivesse de volta ao útero, o paciente parece sentir um calor reconfortante ao seu redor durante a experiência.
Peso-pluma: Uma espécie de “eu astral” da pessoa – uma réplica de seu corpo – consegue ver, de cima, todo o ambiente onde ela está.
Tudo Zen: Muitas pessoas relatam uma sensação sobrenatural de calma e paz envolvendo sua mente e corpo nesses momentos.
Iluminado: Surge diante do moribundo um túnel de luz que dá a impressão de conduzi-lo para fora do mundo, para um “lugar melhor”.
FONTE: Superinteressante nº 253a, junho/2008

Por que a vida surgiu no universo?

Acaso puro ou seleção natural cósmica? As idéias capazes de explicar por que estamos aqui ainda são chutes quase completos
por Texto Salvador Nogueira

Hoje em dia, a ciência se vangloria de saber, pelo menos em grandes pinceladas, como viemos parar aqui. Resumindo uma longa história, tudo começou com uma grande explosão que, 13,7 bilhões de anos atrás, deu origem ao Cosmos. Desse big-bang nasceram os elementos hidrogênio e hélio, que formaram as primeiras estrelas. Essas, por sua vez, produziram outros elementos, como carbono e oxigênio, indispensáveis para a formação de planetas como a Terra e pessoas como nós.
Em locais adequados (até agora só conhecemos com certeza um, o nosso próprio planeta), as moléculas formadas com os novos elementos foram adquirindo grau cada vez mais elevado de organização, gerando os primeiros seres vivos. Por seleção natural (a famosa “lei do mais apto”), essas criaturas foram evoluindo e, pelo menos em um lugar do Universo (possivelmente, em mais de um), desembocaram em seres inteligentes e capazes de deduzir toda essa história. Foi o que aconteceu aqui, nos últimos 4 bilhões de anos.
Bonito, né? Pena que essa historinha ainda esteja longe de realmente explicar a coisa toda. Isso porque todo mundo entende o que aconteceu para que o Universo acabasse produzindo vida, mas ninguém entende por que o Universo nasceu “configurado” para permitir todas essas maravilhas. Parece uma sorte tremendamente grande.
Aparentemente, nós só estamos aqui porque algumas regulagens específicas das leis da física – a intensidade da gravidade, ou o nível de atração entre elétrons e prótons, partículas que compõem os átomos – vieram “certinhas” para permitir a nossa existência. Quer exemplos? Se a gravidade fosse um pouco mais forte, as estrelas teriam vida muito curta e nunca haveria tempo hábil para a evolução das espécies; se fosse um pouco mais fraca, não seria capaz de agregar a massa em estrelas. E a atração mútua entre elétrons e prótons? Se fosse diferente do que é, não existiriam átomos estáveis.
CERTINHO DEMAIS: São parâmetros que, devidamente ajustados, tornaram o Universo um lugar habitável. A pergunta que não quer calar: quem ou o que fez essa “tunagem”, ou “regulagem” do Cosmos, lá no começo de todas as coisas?
Nem é preciso mencionar quem os religiosos acham que fez isso, certo? Acontece que os cientistas não seguem a mesma cartilha e, por isso, passam um aperto para explicar o mistério. A coisa anda tão feia que boa parte deles, incluindo Martin Rees e Stephen Hawking, responde à pergunta descartando-a. É o princípio antrópico.
Para os defensores do princípio antrópico, o suposto mistério não passa de mera conseqüência de estarmos aqui. Quando alguém pergunta por que o Universo é tão bom para nós, eles respondem que essa pergunta só pode existir em universos que são bons para nós. Se o Cosmos fosse diferente, e a vida inteligente fosse impossível pelas leis da física, ninguém faria essa pergunta. Ou seja, o grande enigma é apenas um sintoma de um Universo como o nosso, mas nada que exija grandes explicações. E eles seguem a vida.
Há quem se sinta intelectualmente desonesto com uma explicação mequetrefe dessas e prefira sofisticar um pouco o argumento. Em apoio ao princípio antrópico, esses cientistas defendem que é possível que existam infinitos universos, cada um com sua afinação diferente. O nosso não teria nada de especial, seria apenas mais um de uma gama de universos totalmente desligados uns dos outros, componentes de um Multiverso.
Se, de um lado, essa hipótese elimina por completo o caráter especial do Cosmos em que vivemos, de outro ela é completamente metafísica – um outro tipo de roubalheira intelectual, em que se usa de hipóteses não verificáveis para solucionar (entre aspas) um problema apresentado pela configuração do Universo. A única forma de dar legitimidade à hipótese do Multiverso é criar uma teoria que seja verificável em nosso Universo e explique como todos esses cosmos separados poderiam surgir. Foi o que o físico americano Lee Smolin acredita ter obtido. Sua inspiração, acredite se quiser, é o naturalista britânico Charles Darwin. Imagine por um momento que o nosso Universo, aparentemente tão sintonizado para produzir criaturas como nós, na verdade esteja sintonizado para produzir o maior número possível de buracos negros. Sim, buracos negros.
REPRODUÇÃO CÓSMICA: Smolin aponta, em seu livro A Vida do Cosmos, que existe grande coincidência entre as “necessidades” que tem um Universo para produzir muitos buracos negros (ou seja, estrelas muito grandes, que implodem de forma tão violenta que nada consegue escapar de seu interior, nem mesmo a luz) e as “necessidades” ligadas a produzir pessoas – como o surgimento de elementos químicos mais pesados, por exemplo.Agora vá um pouco mais longe e imagine que cada buraco negro (definido, pela Teoria da Relatividade Geral, como um literal rombo no tecido do espaço-tempo) pode dar origem a um outro Universo, independente do que o gerou. E o toque final: imagine que esses universos-bebês, de alguma maneira, carregam o “DNA” (ou seja, a regulagem) dos universos que os geraram, apenas um pouco modificados.
Pronto, está armado o circo para o surgimento de um Multiverso governado pela seleção natural – ou melhor, pela “seleção cosmológica natural”, como coloca Lee Smolin.
Assim como seres vivos que se reproduzem com mais eficiência conservam suas características ao longo dos tempos, universos mais capazes de se multiplicar teriam o mesmo efeito. Logo, em pouco tempo, os universos com o potencial para criar mais buracos negros – e, coincidentemente, pessoas – estariam em número muito maior que os que têm poucos “filhos”. Resultado: torna-se, de súbito, muito mais provável que estejamos em um Universo como o nosso, em vez de em qualquer outro menos prolífico, digamos.
E como testar a idéia? Smolin dá uma série de sugestões, tanto teóricas quanto práticas. Na teoria, é possível simplesmente manipular a “tunagem” do Universo nas equações e tentar produzir um Cosmos hipotético mais propenso a formar buracos negros que o nosso. Se conseguíssemos, a hipótese de Smolin sairia enfraquecida. Mas ninguém conseguiu fazer isso ainda.
Na prática, é possível investir em detectores de ondas gravitacionais capazes de estudar os ecos do próprio big-bang, na esperança de encontrar neles sinais do que pode ter existido antes (quiçá um buraco negro em outro universo?) e de como o suposto “DNA” de universos pode ter sido transmitido, com poucas alterações, de um universo a outro durante trilhões de anos.
Fácil falar, mas difícil fazer. Até hoje, a despeito das tentativas, ninguém conseguiu detectar uma onda gravitacional, por mais que tentasse. Mas detectores têm sido construídos no mundo todo – inclusive no Brasil. O que faz crer que talvez a resposta ao maior dos enigmas da ciência possa ser encontrada algum dia. Ou não.
FÓRMULA VITAL: Temos uma idéia razoavelmente boa da receita para o surgimento de seres vivos como os terrestres Universo afora. O carbono (C) é importante por sua versatilidade química, assim como o nitrogênio (N). O oxigênio (O) produz energia de forma insuperável, e a água é o meio ideal para o metabolismo celular.
Desde os primórdios até hoje em dia
Confira os principais passos da evolução cósmica que culminou com a vida por aqui
Big-bang: As teorias atuais falam do big-bang como um ponto de singularidade – ou seja, um momento em que as leis da física são tão violentadas pelo calor e pressão que deixam de valer. Por isso, é dificílimo estudar a grande explosão.
Primeiras estrelas: Cerca de 400 milhões de anos após o big-bang, a ação da gravidade começa a juntar grandes massas do elemento químico hidrogênio para formar estrelas. A fusão nuclear no interior desses astros produz novos elementos.
Primeiras galáxias: Não se sabe ao certo como as estrelas primordiais se juntaram em estruturas de maior escala, as galáxias. Esses conjuntos, contudo, dão início a uma espécie de ambiente estelar, no qual energia e matéria circulam sem parar.
Vida na Terra: Os primeiros indícios de seres vivos por aqui são minerais modificados pela ação de micróbios há uns 4 bilhões de anos. A vida complexa tem só um quarto dessa idade, tendo aparecido entre 1 bilhão e 600 milhões de anos atrás.
FONTE: Superinteressante nº 253a, junho/2008

Por que temos fé?

Para sobreviver, precisamos obter informações realistas e confiáveis sobre o mundo e não aceitar nada sem provas. Então, de que serve crer?
por Reinaldo José Lopes

Nosso cérebro e nossos órgãos dos sentidos estão maravilhosamente adaptados para extrair informações do mundo, mas há ocasiões em que esses dados objetivos são simplesmente ignorados. Por alguma razão, estamos dispostos a acreditar em seres sobrenaturais que não podemos ver ou tocar; sentimos que a morte não é o fim e que, de certo modo, as pessoas amadas que passaram por ela ainda pensam em nós. É o mistério que deu origem à fé em geral e a todas as reli-giões do mundo. Sozinha, a ciência não tem como provar ou desmentir essa intuição. O que ela pode fazer é tentar entender por que a fé humana surgiu. Hoje, existem duas grandes propostas para explicar o fenômeno. Entenda abaixo os pontos fortes e fracos de cada uma delas.
VANTAGEM ADAPTATIVA: Biólogos como o americano David Sloan Wilson apostam que a fé religiosa pode trazer benefícios diretos a quem a tem. O principal benefício seria aumentar as chances de sobrevivência e reprodução dos indivíduos com fé em detrimento dos indivíduos sem fé. Ou seja, quem é capaz de acreditar sairia ganhando na seleção natural, de forma que, ao longo de milhares de anos, a capacidade para a crença no sobrenatural se espalharia por boa parte da população.
As vantagens potenciais são muitas. Do ponto de vista do indivíduo, a fé poderia ser um recurso interessante diante de uma doença ou um ferimento grave, digamos. Afinal, acreditar que a cura é possível ajuda um bocado na recuperação em quase todos os problemas de saúde. Práticas como a adivinhação feita por sacerdotes, após consulta aos deuses, ajudaria o grupo a não ficar paralisado e indeciso diante de uma crise muito complicada. Além disso, não é à toa que, ao longo da história, quase todos os exércitos partiam para a guerra depois de pedir a proteção divina. Acreditar que forças sobrenaturais estão do seu lado deu coragem e coesão a guerreiros em todas as culturas e em todos os tempos. Quem não tivesse esse poderoso reforço moral combatendo junto corria um risco maior de ser derrotado ou de desistir da batalha antes mesmo de ela começar.
O problema com essa visão é que ela é controversa para os próprios biólogos. Ela pressupõe que, de alguma forma, a seleção natural age sobre grupos inteiros de pessoas, embora o consenso a-tual seja que tal mecanismo promove apenas indivíduos, que sempre estão competindo com outros indivíduos – mesmo que eles sejam seus aliados.
EFEITO COLATERAL: Também pode ser que acreditar no invisível seja só um subproduto relativamente inútil da própria organização da nossa mente. Um dos principais defensores da idéia é Justin Barrett, psicólogo da Universidade de Oxford que propôs o conceito de HADD (sigla inglesa de “aparelho hiperativo de detecção de agente”). A idéia básica por trás do termo é que nossa cabeça está adaptada para detectar “agentes” – outros seres do mundo lá fora que, como nós, têm interesses e desejos.
Essa capacidade é essencial para encontrar entidades que todos desejamos, como presas ou parceiros, ou para fugir de seres que nos põem em risco, como predadores e competidores. E também é importantíssima para a vida social: sem ela, não conseguiríamos imaginar o que uma pessoa está pensando e, se for o caso, antecipar as ações dela. O problema é que, para não deixar passar sinais potencialmente importantes de “agentes” externos, esse detector precisaria ser regulado no máximo – daí a qualificação de “hiperativo” dada a ele.
Dessa forma, estaríamos fadados a enxergar pensamentos, desejos e vontades em coisas como um computador, um carro – ou a chuva, ou o Sol. Não é difícil imaginar como isso poderia levar à crença em entidades sobrenaturais por trás desses fenômenos, ou na sobrevivência do espírito de uma pessoa após a morte. Outro elemento, nesse caso, seria a incapacidade de conceber a nossa própria não-existência – logo, algo “teria” de sobrar depois da morte. Desse ponto de vista, nosso cérebro dificilmente funcionaria direito sem a presença desse efeito colateral quase fantasmagórico.
15% da população mundial se declarou “não religiosa” numa pesquisa recente. Mais de 50% diz acreditar num só Deus.
FONTE: Superinteressante nº 253a, junho/2008