17 de junho de 2010

Por dentro das vidas passadas

A terapia de vidas passadas foi utilizada inicialmente para descobrir, por meio da hipnose, os possíveis traumas psíquicos sofridos no passado, tanto na infância como em pressupostas vidas passadas. O objetivo de tal terapia era levar o paciente a reviver esses traumas. Devemos esclarecer que a psicoterapia clinica atual não aceita mais esse método de trabalho. Essa é a razão pela qual a terapia de vidas passadas está sendo rejeitada pelos representantes da psicoterapia científica.
As afirmações são em grande parte apriorísticas, baseadas num tipo de crença totalmente superficial em relação a fenômenos claramente fora do quadro daquilo que podemos considerar verdadeiro. São provas circulares que supõem aquilo que querer provar.
Os adeptos da reencarnação, no entanto, insistem na eficiência de seus métodos. Constatamos, além disso, que cada vez o grande público está assimilando esse método como aquele que é, por excelência, capaz de investigar e fazer descobertas sobre suas vidas anteriores. A conseqüência de tudo isso é que hoje há milhares de pessoas que se querem submeter a uma “regressão”, não por razões terapêuticas, mas por curiosidade. Todos esses candidatos querem no fundo confirmar por meio de suas experiências aquilo em que já acreditam em maior ou menor escala: a reencarnação.
A fé na doutrina age de modo como uma forte predisposição a receber sugestões do terapeuta. Tais sugestões podem ser feitas por métodos tanto hipnóticos como não-hipnóticos – o resultado é o mesmo. O paciente deixa-se conduzir pelas orientações do terapeuta de tal maneira que começa a fazer associações livres. Essas associações são dirigidas cada vez mais na direção de uma regressão antes do nascimento. Passo a passo, o terapeuta pede ou exige recordações pré-natais, e o paciente, em estado de transe ou pré-transe, deixa-se conduzir pelas sugestões e, de fato, chega a tais recordações, descobrindo lembranças até então esquecidas, bem como experiências feitas em outras vidas. Por meio dessas associações finalmente o paciente descreve experiências vividas. Com isso teríamos a prova da existência de vidas passadas e conseqüentemente a prova de que a reencarnação existe. A terapia de vidas passadas torna-se assim, para muitos, o argumento mais convincente para provar a reencarnação.
O pesquisador Ian Stevenson, adepto a priori da reencarnação, reconhece, depois da análise minuciosa de muitos casos de regressão, que a maioria das recordações apresentadas em tais processos não são reais, mas produto da fantasia. 
As recordações extraordinárias não passam do resultado da situação específica vivenciada pela pessoa sob efeito de sugestão, o que faz entrar em transe ou pré-transe. Por meio de técnicas específicas, o terapeuta a conduz pelos caminhos da sugestão e do reforço sugestivo. Ele determina as regras e dirige as associações, exercendo um domínio que se torna tão mais decisivo quanto mais o paciente se sentir inseguro. E, por se sentir inseguro, busca segurança no terapeuta. A aceitação daquilo que lhe está sendo sugerido não passa mais por um processo crítico de reflexão. Trata-se muito mais da expressão de algo resultante de um laço emocional dentro do qual o terapeuta é aceito como guru e mestre.
Quando o paciente se sente seguro, entra numa espécie de conflito por não ser sugestionado pelo terapeuta. Ainda que ele queira responder ao que o mestre dele deseja, não pode, porque não há recordação nenhuma de vida passada. O mestre, porém, insiste em que ele busque tal recordação. È nessa situação que o paciente desenvolve aquele tipo de atitude que na psicologia conhecemos sob o nome de confabulação ou fabulação. 
O manual de psiquiatria de Antoine Porot define o termo fabulação da seguinte maneira: Nome dado a fatos imaginários que se apresentam na forma de relato mais ou menos coordenados em torno de um tema principal, resultante de uma “compensação imaginativa” de complexos de inferioridade ou fracassos afetivos, seguidos de rejeição. Constrói-se um enredo que, mais tarde, conforme a complexidade espiritual e as tendências da pessoa, pode produzir estados delirantes ou imaginários.
Mediante tal fabulação, o paciente, sob sugestão de que está regredindo a vidas passadas, substitui a sua falta de experiência real de vidas passadas pelo produto de sua imaginação. Faz parte do fenômeno da fabulação que a pessoa que o produz comece a acreditar naquilo que fantasiou, defendendo suas convicções de maneira tão convincente que em outras situações chegam a levar a erros judiciários. 
No fundo, porém, é a correlação entre o paciente e o seu “terapeuta” que determina a construção da fabulação. Baseada em alguns elementos típicos da situação, o terapeuta induz o paciente a fazer associações, sugerindo que tais elementos têm um significado especial. O paciente aceita a sugestão, reforçada e recompensada pelo terapeuta, de modo que se desenvolve todo um esquema de sugestão e auto-sugestão capaz de convencer o paciente, o terapeuta e todos os que acreditam na teoria a aceitá-la como verdade inquestionável.
Hansjörg Hemminger, depois de analisar os mecanismos de transe e sugestão aplicados nas terapias de regressão, assim como os seus resultados, chega à seguinte conclusão sobre a veracidade dos relatos sobre vidas passadas: Em geral faltam casos documentados de maneira convincente. Muitos dos detalhes (em geral históricos) são impressionantes e até coerentes, mas não é possível prová-los. Muitos são claramente improváveis; outros, embora pareçam prováveis, são falsos. O leitor e observador sem preconceitos chegará à conclusão de que as supostas recordações de reencarnações refletem em geral todo o imaginário que povoa a mente do cidadão comum. 
Wisendanger, psicólogo que pesquisou de maneira profunda e científica a terapia da reencarnação, resume a questão da seguinte maneira: Disparidades e contradições evidentes, erros fáceis de serem demonstrados representam a regra, e não a exceção, até mesmo em regressões aparentemente bem-sucedidas. Ocorre que vários clientes se vêem identificados com a mesma figura histórica; também ocorreu de um regredido descobrir em sessões distintas várias vidas distintas, vividas na mesma época; outras vezes ocorre de alguém identificar o seu eu com uma pessoa ainda viva; são relatados fatos sobre descobertas técnicas que ainda não existiam na época que o acontecimento se situa. Há pessoas regredidas que contradizem fatos históricos conhecidos, mencionam lugares, países e pessoas fictícias e produzem de maneira convincente dados históricos falsos. Entre dúzias de volumosos relatos editados por terapeutas reencarnacionistas há três décadas, não conheço nenhum que admitiria tais problemas nem numa nota ao pé de página.
Não há dúvida de que, por meio das propaladas terapias de vidas passadas, é também possível descobrir fatos verdadeiros sobre os quais a pessoa hipnotizada não podia saber.
Harald Wiesendanger menciona que numa regressão em vidas passadas com centenas de crianças e adultos, 40% dessas, apresentavam lembranças reencarnacionistas de vidas passadas. Pesquisando essas lembranças de maneira crítica com a ajuda da hipnose, ele descobriu o seguinte: Com habilidade, muitos dos “regredidos” tinham reunido fragmentos de informações procedentes de livros, filmes e acontecimentos de sua vida atual.
Baseado no livro “A morte em questão” de Renold J. Blank.