5 de fevereiro de 2010

Ceticismo

1) A verdade não existe; se existisse, seria impossível conhecê-la; e ainda que se pudesse conhecê-la, seria impossível comunicá-la.

2) A finalidade do ceticismo é a quietude absoluta da alma, a tranqüilidade, o bem‑estar.

3) O ceticismo não atribui nenhuma finalidade específica aos atos humanos, não teoriza sobre o problema da finalidade.

4) Uma proposição apresentada precisa de uma prova e esta de outra prova e assim, até ao infinito, por isso, é preciso suspender o julgamento.

5) O objeto aparece tal ou tal, segundo aquele que julga e aquele que acompanha a observação, mas os céticos se abstêm de julgar o que ele é por natureza.

6) Tudo o que é compreensível parece ser compreendido, ou por si mesmo ou por um intermediário; como nada pode ser conhecido ou compreendido em e por si mesmo, havendo sempre a necessidade de um intermediário e este de outro intermediário, e assim sucessivamente, chega-se à dúvida absoluta.

7) Os céticos vivem sem opinião teórica, detendo-se apenas nas aparências e observando as regras de vida, pois não podem permanecer inativos. A observação das regras de vida parece ter quatro objetos: 1) as indicações da natureza, 2) a necessidade de nossas disposições, 3) a transmissão dos costumes e das leis, 4) o ensinamento de artes.     

8) O ceticismo concentram-se em torno: 1) das idéias de dúvida, 2) da suspensão do julgamento, 3) da prática da refutação, 4) da necessidade de investigar por meio do método que prevê a contraposição infinita de razões equivalentes a respeito do objeto em causa, 5) da ausência de qualquer dogmatismo, 6) do emprego particular da linguagem, dando preferência às expressões dubitativas, 7) do reconhecimento da prevalência da subjetividade na compreensão do mundo, 8) da mudança perpétua dos seres, 9) da impossibilidade de identificar as causas ou essências e ainda 10) o apego às aparências como única “verdade” possível.

9) A atitude investigatória está na gênese do ceticismo. A experiência inicial do cético pode ser articulada nos seguintes passos progressivos: 1) perturbação ou dúvida (aporia) diante dos fatos ou opiniões em conflito; 2) investigação de cada uma delas; 3) intenção de resolver as discrepâncias; 4) descobrimento das razões pelas quais não podem ser resolvidos: a isosthenia ou força igual dos argumentos contrários; 5) suspensão do juízo como cura da perturbação inicial.

10) Considerando que investigar é adquirir (ou mudar) crenças acerca do mundo, o cético, por sua atividade de investigar, é natural que esteja particularmente empenhado em adquirir crenças ou trocar velhas e inadequadas crenças por outras novas. A investigação cética possui um caráter refutatório apenas, nunca persuasivo.

11) A investigação cética é, em última instância, uma espécie de operação psiquiátrica destinada a libertar o homem dos tormentos que lhe ocasionam as suas crenças nas opiniões dogmáticas.

12) Os céticos compartilham com os místicos e neoplatônicos do sentimento de irrealidade e de vazio em relação às coisas terrenas e materiais; porém, enquanto estes se voltam para uma verdade transcendental, além da condição natural, alcançável apenas após a morte, os céticos, reconhecendo a sua limitação, procuram ater-se ao que é puramente humano.

13) Os céticos não negam o sobrenatural; apenas, consideram impossível ao homem investigá-lo. Muitos céticos, como Montaigne (1533-1592), seguem a religião dos seus pais e de sua nação sem se preocupar com o conhecimento do transcendente; preferindo permanecer nos domínios do fenômeno, evitando especular sobre o que foge aos limites humanos.

14) Os céticos consideram importante não afastar-se dos costumes e convenções seguidos no lugar em que vivem. É preciso assinalar, entretanto, que há uma diferença fundamental entre seguir o senso comum como se ele fosse verdadeiro e segui-lo sabendo que ele é apenas uma convenção.

Do Livro “Sob o Signo da Incerteza”, Eunice Piazza Gai - Editora UFSM